























construção do espaço urbano
O projeto para o Museu Marítimo do Brasil parte da premissa de que a construção do espaço urbano antecede e orienta a definição do espaço arquitetônico.
A partir da dupla relação espacial do lugar (terrestre e marítima) e da importância do museu para o contexto histórico e urbano, define-se o ponto de partida do projeto: o eixo histórico, elemento físico e simbólico, que marca o tecido urbano do Rio de Janeiro e liga, no espaço e no tempo, a cidade ao mar.
eixo histórico
O eixo histórico que orienta a implantação e o acesso ao museu marítimo é um palimpsesto urbano, sobre o qual está escrita parcela importante da história marítima do Brasil.
O eixo é definido pelo conjunto de espaços que – desde a fundação da cidade, e com mais ênfase a partir do século XIX – conectam a Baía de Guanabara e a Doca da Alfândega à Praça e a Igreja da Candelária e que se estende em direção ao Campo de Santana (Praça da República).
Ao longo do eixo também estão os registros sobre as transformações e destruições ocorridas na primeira metade do século XX para a construção da Av. Pres. Vargas, assim como as intervenções urbanas contemporâneas, que devolveram ao centro histórico a conexão com a região portuária e o mar.
museu e memória
O museu marítimo, como espaço de memória inserido na transição entre o contexto urbano e o mar, evidencia não apenas a presença do que foi preservado, mas também traz à memória a ausência do que foi destruído.
A história marítima do Brasil expõe ao mesmo tempo memórias de construção e destruição; festividades e lamentos; encontros e diásporas; paz e guerra; liberdade e escravidão.
Nesse sentido, o projeto para o museu marítimo propõe a contraposição, no mesmo espaço, entre a imagem festiva da galeota imperial e a memória opressiva do navio negreiro; entre a robustez das embarcações de guerra e a delicadeza da canoa indígena.
A mesma história que relata, a partir do mar, as riquezas e a diversidade do Brasil, também traz à memória o Cais do Valongo, Patrimônio Cultural da Humanidade, único vestígio material da chegada dos africanos escravizados nas Américas, localizado a algumas centenas de metros do museu marítimo.
É a partir do reconhecimento e da visão crítica sobre a memória que se constrói a narrativa deste projeto para o Museu Marítimo do Brasil.
ampliação do espaço público
Para integrar o museu marítimo à cidade propõe-se a ampliação do espaço público e a criação da praça do museu, espaço que permite a conexão entre a cidade, o museu e o mar.
O projeto para o museu marítimo incorpora ao seu desenho, com novas funções, configurações e materialidades, a requalificação urbana da área da Alfândega. A intenção é conectar o museu ao centro histórico e aos espaços culturais do entorno
O espaço público, a partir da requalificação e ampliação da praça existente, atravessa o museu e se estende em direção à Baía da Guanabara, por meio da construção de um novo píer para a circulação de pessoas, espaços de convivência e atracamento de embarcações.
O novo píer leva o chão da cidade em direção ao museu e ao mar. Dessa maneira, os 280 metros da antiga “Doca da Alfândega” são liberados integralmente para a parte edificada do museu marítimo, sem conflitos entre as funções museográficas e a atracagem das embarcações.
a praça do museu
A praça do museu é o espaço de encontro entre o museu marítimo e o centro histórico. O desenho urbano da praça parte do traçado do espaço público existente, reinterpretado a partir das funções e demandas do novo equipamento cultural.
A praça é também uma extensão do museu, com a exposição de veículos da Marinha que integram o acervo museográfico, além de espaços de convivência, área de embarque e desembarque de ônibus turísticos, módulo de apoio (informações turísticas, ponto de comércio e sanitário acessível) e bicicletário.
acessibilidade
A partir do eixo histórico e por meio do novo píer de pedestres, o acesso do público ao museu ocorre em sua porção central, tanto pela via terrestre quanto marítima (passeios de barcos). O acesso pela faixa estreita existente ao longo da Capitania dos Portos é reservado aos veículos de carga e descarga, serviços, autoridades e equipe técnica do museu. A extremidade norte do museu também inclui uma grande abertura conectada ao mar, que tem função expositiva e também de acesso de embarcações e objetos expositivos de grande porte pela via marítima. Garante-se, dessa maneira, a necessária independência entre fluxos e acessos de público e de acervo.
No que se refere ao controle de acesso, o museu está dividido em três zonas: acesso livre do público; acesso controlado do público; acesso restrito. Tal distribuição permite o uso independente dos espaços, sem conflitos entre as atividades. É possível, por exemplo, isolar cada área de exposição em função das necessidades de montagem e de manutenção. Conforme a necessidade, as faixas perimetrais de circulação (no térreo e no pavimento superior) podem ser isoladas para a circulação das obras ou das equipes de manutenção e instalação, sem prejuízo para o fluxo expositivo. A área de exposição temporária, devido à maior dinâmica, está situada ao lado da área de reserva técnica e do receptivo de obras (carga e descarga), com independência de acesso em relação à exposição de longa duração.
Todos os espaços do museu são acessíveis a pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, seja por meio de rampas (deslocamento assistido) ou de elevadores.
programa
Além da conectividade urbana, o alinhamento entre o eixo histórico e o acesso principal do museu (em sua porção mais central) possibilita a distribuição mais equilibrada e funcional do programa museográfico.
A partir das definições de acesso de público e acervo, o museu está dividido nos seguintes setores: Central (uso público), Norte (exposição de longa duração) e Sul (exposição temporária e áreas técnicas).
Setor Central (espaços da Zona 3 – área sem acervo aberta ao público). Térreo: hall de acesso; bilheteria; loja e auditório. Primeiro pavimento: educativo e sala vip. Segundo pavimento: restaurante e sala multiuso.
Integram ainda a zona 3 o café do museu, instalado no píer (entre o museu e a Baía da Guanabara e que também abriga a função de receptivo de passeios de barcos) e a praça elevada (terraço na cobertura, para fruição e observação da paisagem, que também pode receber exposições ao ar livre).
Setor Norte (espaços da Zona 1 – área de acervo aberta ao público – exposição de longa duração). A principal área expositiva do museu está situada na porção norte, com acesso direto a partir do setor central (hall de acesso) e independente em relação à exposição temporária. Conforme necessidade e proposta da curadoria, o percurso expográfico entre as duas exposições pode ser conectado pelo pavimento superior. Esta área expositiva também inclui, na extremidade norte, abertura que permite o acesso, por via marítima, de embarcações e objetos expositivos de grande porte.
Setor Sul (espaços da Zona 1 – área de acervo aberta ao público – exposição de longa duração; Zona 2 – área de acervo não aberta ao público e Zona 4 – área sem acervo não aberta ao público). Este setor é conectado ao mesmo tempo ao setor central (acesso público) e à área de carga e descarga (acesso restrito), no extremo sul (próxima à Capitania dos Portos). Integram este setor os espaços de carga e descarga; recepção de obras; reserva técnica e montagem, além da área administrativa; apoio administrativo e áreas técnicas.
expografia
da natureza dos espaços
As premissas que definem a estratégia de projeto, do ponto de vista do espaço expográfico, são: flexibilidade, acessibilidade, conectividade e independência, tanto do ponto de vista da circulação do acervo quanto da circulação das pessoas.
Os espaços expositivos são de duas naturezas: (1) salões amplos, com pé-direito duplo e cores claras, destinados aos grandes objetos; e (2) galerias com pé-direito simples e cores escuras, para as experiências imersivas (alguns com interação visual com a cidade e o mar).
Os principais espaços expositivos estão distribuídos no pavimento térreo e são conectados a galerias e passarelas no primeiro pavimento, acessíveis por rampas e elevadores.
do conceito expográfico
O espaço do museu permite várias configurações e projetos expográficos, adaptáveis aos diversos olhares possíveis de curadoria sobre a história marítima do Brasil. A seguir, apresenta-se uma dessas possibilidades expográficas para a galeria de longa duração, com o objetivo de ilustrar a adaptabilidade do museu às diversas naturezas de espaços expositivos.
batismo e iniciação ao mar
o mar como expressão simbólica (percurso imersivo)
origens: memória e resiliência
navio negreiro e povos originários (grande salão e percursos imersivos)
A caixa suspensa, em madeira carbonizada, simboliza o navio negreiro e propõe um percurso imersivo que transita da dor à alegria; do extermínio e escravidão à luta pela liberdade e afirmação da população negra e dos povos originários.
diversidade e expressão cultural
jangadeiros, círio de nazaré, iemanjá (grande salão e percursos imersivos)
objetos e registros da navegação
a galeota imperial e olhar crítico sobre a herança colonial sob a perspectiva do mar
encontro com o mar: embarcações (exposição coberta conectada à água)
volumetria, espaço e materialidade
A volumetria do museu marítimo busca reforçar a horizontalidade do píer original e sua relação com o mar e o centro histórico do Rio de Janeiro. A horizontalidade também é condição favorável à fluidez do percurso expositivo e à acessibilidade do conjunto.
No que se refere à espacialidade, a escala do edifício varia entre ambientes com pés-direitos duplos ou triplos (com até 10 metros de altura) e os recintos imersivos, distribuídos conforme a natureza e a função de cada espaço.
A materialidade também é definida segundo a natureza dos espaços, a fim de conferir amplitude ou imersão, conforme a necessidade. O principal material da envoltória do museu é o aço corten, tanto pelo aspecto simbólico (a pátina que revela a passagem do tempo) quanto pela resistência (as propriedades do aço corten o tornam mais resistente à corrosão atmosférica). O material predominante do piso é a madeira, em coloração e tratamento que variam conforme a natureza dos espaços: com juntas vazadas para os ambientes externos (área do píer) e com juntas seladas e camada impermeabilizante para os ambientes internos. A madeira também contribui para o conforto acústico dos ambientes. Assim como o aço corten, a madeira apresenta boa resistência ao ambiente marítimo, além de registrar, na cor e na textura, a passagem do tempo. Do ponto de vista simbólico, tanto o aço quanto a madeira também remetem à memória da história marítima.
sistema construtivo
premissas
O sistema construtivo adotado para o edifício do museu marítimo parte das seguintes premissas:
(1) evitar estruturas do edifício sobre o mar, a fim de reduzir os custos e simplificar o processo construtivo;
(2) adequar o projeto às dimensões e à modulações do píer, com o mínimo de interferência sobre os elementos originais;
(3) utilizar estrutura metálica com vãos modulados de acordo com o espaçamento dos arcos originais do píer, a fim de minimizar a carga e o impacto sobre a estrutura existente;
solução estrutural
A partir dessas premissas foi desenvolvida uma solução de pórticos estruturais com vigamentos em perfis de aço, com vãos de 17 metros, apoiados sobre viga baldrame metálica com balanços de 3 metros projetados sobre o mar. Os pórticos estão distribuídos ao longo dos 280 metros do píer em módulos regulares de 12,25 metros, que seguem o espaçamento dos arcos do píer original. A estrutura é complementada por vigas metálicas secundárias e lajes em steel deck com vãos econômicos. Os núcleos de circulação vertical e serviços, em concreto armado, atuam no contraventamento do sistema estrutural metálico.
A estrutura do novo píer, dimensionada para a circulação de pessoas e para a atracagem das embarcações, é composta por elementos em aço e madeira, apoiados sobre estacas em concreto.
fundações
Como solução estrutural para as fundações propõe-se utilizar as três estacas não aderidas ao píer, mais duas estacas de reforço, promovendo uma nova configuração de bloco, para sustentação de uma viga metálica que irá sustentar os esforços provenientes da superestrutura e também os esforços provenientes do piso, transferindo as cargas para as fundações.
instalações
Os equipamentos, as instalações e as áreas técnicas principais estão concentradas no setor sul do museu, próximo à área de carga e descarga, onde estão situadas as áreas técnica e administrativa do museu. O edifício dispõe de pavimento técnico na cobertura, onde serão instaladas placas fotovoltaicas e de aquecimento solar e equipamentos de ar-condicionado.
Os reservatórios de água potável e de reaproveitamento de águas pluviais estão situados nas proximidades da área de carga e descarga.
A fim de facilitar o acesso e a manutenção, sem conflito com o fluxo de carga e descarga do museu, a subestação elétrica e o conjunto de geradores serão instalados na área da praça do museu, sob o nível do solo.
O encaminhamento das instalações, no sentido longitudinal, ocorre sobre o forro das circulações periféricas, de maneira a facilitar a distribuição ao longo do edifício, sem interferências ou riscos ao acervo e às áreas de exposição.
sustentabilidade
O museu marítimo é projetado de maneira a permitir a obtenção da certificação LEED, devido às seguintes estratégias: (1) eficiência e uso racional da água (reaproveitamento de águas pluviais); (2) iluminação natural (em especial nos ambientes que não demandam controle rigoroso de iluminação e temperatura); (3) eficiência energética e soluções passivas de conforto térmico (painéis isolantes protegem toda a envoltória do museu; piso elevado com colchão de ar sobre a cobertura); (4) sistema construtivo racionalizado, baseado em componentes modulados e pré-fabricados, com o mínimo de resíduos; (5) utilização de energia renovável (as placas fotovoltaicas e de aquecimento solar instaladas na cobertura podem oferecer autonomia energética ao museu no que se refere à iluminação e ao aquecimento de água); (6) utilização de materiais duráveis e de mínimo impacto ambiental (propõe-se a utilização de madeira certificada em toda a edificação). O museu ainda dispõe de bicicletários, a fim de incentivar a mobilidade sustentável.
Ficha Técnica
Concurso . 2021
Arquitetura: GSR Arquitetos
Autores: Elcio Gomes, Fabiano Sobreira e Paulo Ribeiro
Colaboradores: Luana Alves, Lucas Sousa, Maria Schulz e Mariana Albuquerque
Consultores: Yasser Vasconcelos (Estruturas) e Lucas Cusinato (Instalações)