ArenaBSB

Projeto vencedor em concurso nacional de arquitetura (2019).

Concurso Público Nacional de Arquitetura – Primeiro Lugar

Dezembro, 2019.


“um espaço urbano mais densamente utilizado e propício ao encontro. (…) propiciar a efetiva existência da escala gregária — além da Rodoviária e dos dois Setores de Diversões — prevendo percursos contínuos e animados para pedestres (…)”
(Lucio Costa, Brasília Revisitada, sobre a escala gregária)

A escala gregária imaginada para o Plano Original de 500 mil habitantes e descrita em “Brasília Revisitada”, é reinterpretada neste projeto – em seus elementos arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos, para a escala gregária da metrópole e seus mais de três milhões de habitantes. Propõe-se, nesse sentido, um espaço vivo, aberto, inclusivo e integrado, que promova a apropriação coletiva, como extensão da cidade e não como um fragmento isolado ou fechado em relação ao contexto urbano.

Flexibilidade e unidade

Equilíbrio entre a flexibilidade de ocupação e a unidade do conjunto. Este é objetivo que define a estratégia de implantação do projeto. Ao mesmo tempo em que permite a construção por etapas; as diversas possibilidades de ocupação e a adaptabilidade ao longo do tempo, procura-se evitar a fragmentação excessiva e a descontinuidade. Trata-se de acolher a diversidade e a imprevisibilidade sem perder a perspectiva de um conjunto coeso. A proposta busca coerência com o espírito do Plano Piloto revisto segundo as demandas contemporâneas de acessibilidade, sustentabilidade, flexibilidade do espaço construído. Para esse fim, são utilizados elementos ordenadores (de arquitetura, urbanismo e paisagismo), que buscam integrar, em escala e linguagem, as diversas funções do complexo.

Sistema dinâmico e flexível

O Bulevar, como núcleo de convergência do conjunto, é proposto como um sistema flexível, ativo, dinâmico e acessível, articulado por ruas, praças e eixos ordenadores, que se conectam com todo o complexo em seus diversos níveis e com o entorno por meio das praças de mobilidade. O conjunto é permeado por elementos paisagísticos traçados segundo o caminho natural das águas e configurado de acordo com a escala das pessoas.

Ruas ativas: a referência das “comerciais”

O Bulevar incorpora, em escala e estratégia de ocupação, as principais qualidades das ruas ativas contemporâneas, que em Brasília encontram paralelo em algumas características das “comerciais” do Plano Piloto. Das comerciais da Asa Norte as referências são a diversidade de uso; a ocupação em três pavimentos; as galerias sombreadas no térreo; os usos voltados para todas as fachadas e a possibilidade de execução em etapas. As comerciais da Asa Sul estão presentes na continuidade do passeio; na unidade do conjunto e sua horizontalidade; no ajuste à topografia; na integração com o entorno e na acessibilidade. A principal diferença está na apropriação da rua: enquanto as comerciais do Plano Piloto são cortadas pelo fluxo intenso de veículos, as comerciais do Bulevar serão calçadões, praças e passeios dedicados aos pedestres.

Entre o eventual e o cotidiano

Um dos principais desafios do projeto é equilibrar a escala dos espaços para duas situações extremas: por um lado, o complexo precisa receber as milhares de pessoas que frequentam os grandes eventos esportivos e culturais; por outro, precisa garantir o acolhimento confortável, individualmente ou em pequenos grupos, que irão frequentar a ArenaBSB em atividades cotidianas. A solução para o equilíbrio entre as escalas é a utilização de um eixo de articulação e ordenamento (aqui denominado “plataforma”) que, além de abrigar atividades diversas, funciona como elemento de indução e acolhimento, que integra os diversos níveis e usos, entre os extremos leste e oeste do complexo, ao mesmo tempo em que permite a transição equilibrada entre os grandes eventos (porção sul) e o cotidiano do Bulevar (porção norte).

Etapas de implantação

As tipologias propostas para o Bulevar e demais equipamentos permite que a implantação ocorra em etapas (inicialmente 60.000 m2 e ao final 90.000 m2, conforme sugerido no Termo de Referência), sem prejuízos funcionais, paisagísticos ou operacionais. O objetivo é preservar a unidade e o equilíbrio do conjunto e ao mesmo tempo garantir a flexibilidade desejada. Nesse sentido, o Bulevar é composto por quatro faixas de ocupação integradas em um único edifício, que se desenvolvem em três pavimentos e que se expande conforme a demanda. Esse conjunto é sobreposto ao embasamento, que abriga a garagem e demais funções técnicas e de logística (construído na primeira etapa), que se conectam aos demais equipamentos do complexo pelo nível do subsolo. As faixas do Bulevar são intercaladas por vazios, que definem as ruas, praças e becos culturais situados em dois níveis (térreo inferior e térreo superior), a fim de criar atmosferas adequadas à escala das pessoas. Os espaços e equipamentos não construídos na primeira etapa serão ocupados por praças e áreas de convívio e lazer em níveis diversos, integradas ao restante do conjunto, até que oportunamente recebam novas construções e usos. Além da divisão nas etapas propostas no Termo de Referência (60/90), outras configurações são possíveis, a depender das oportunidades de investimento; das dinâmicas do mercado; do interesse público e das demandas sociais, sem que se altere o conceito geral do projeto.

Programa

Outro importante desafio do projeto é integrar e conectar usos que tendem a ser distribuídos de forma fragmentada e dispersa, devido: à amplitude da área de intervenção; aos mais de vinte metros de desnível; e à complexidade do programa de necessidades. O elemento utilizado para conectar todo o conjunto é a “plataforma”: trata-se de uma edificação linear, que conduz as pessoas no sentido longitudinal, entre os extremos leste e oeste do complexo e, no sentido transversal, permite o acesso abrigado ao Bulevar, aos demais equipamentos e às futuras projeções. Além de elemento de transição e conexão, a “plataforma” é também infraestrutura urbana e elemento de composição arquitetônica e paisagística. Será utilizada como passeio público descoberto, passarela abrigada e espaço de acolhimento para atividades comerciais e de lazer. A “plataforma”, portanto, ao mesmo tempo que se apresenta como extensão do Bulevar, é o elemento que confere unidade e integração a todo o programa.

Paisagismo

“De um lado o estádio (…); do outro (…) o Jardim Zoológico [área atualmente ocupada pelo Parque da Cidade], constituindo estas duas imensas áreas verdes, simetricamente dispostas em relação ao eixo monumental, como que os pulmões da nova cidade (fig. 4).”
(Lucio Costa, memorial do Plano Piloto, 1957)

“a importância da volumetria paisagística na interação das quatro escalas urbanas da cidade”
(Lucio Costa, Brasília Revisitada, 1987)

Cerrado: biodiversidade e resiliência

O Cerrado ocupa quase 25% do território brasileiro, é considerado a savana mais rica em biodiversidade do mundo e, não bastasse, é o bioma responsável pelo abastecimento das nascentes que formam as três principais bacias hidrográficas do país. É preciso inserir o Cerrado no imaginário nacional e a capital federal pode ter um papel central nesta missão. O complexo da ArenaBSB está situado em uma parte estratégica da cidade, que se constitui como ponto de convergência e transição entre as escalas gregária, monumental, bucólica e residencial.

Paisagens de savana

O Brasil tem uma autoimagem quase exclusivamente florestal. No entanto, 40% de suas paisagens naturais não são florestas, mas savanas e campos, ou seja, formações abertas, com predomínio de capins, ervas e arbustos floridos, com ou sem árvores espalhadas.
Quando o assunto é flora nativa, os projetos de paisagismo e de compensação ambiental no Cerrado ocupam-se exclusivamente de árvores, deixando de lado as plantas rasteiras e de menor porte que caracterizam a base de suas paisagens naturais. Valorizar o Cerrado, em sua estética e em sua ecologia, passa necessariamente por colocar em evidência tais espécies características da paisagem de savana.

Nesta proposta, árvores nativas irão qualificar e sombrear o perímetro da gleba, os eixos de circulação de pedestres e partes das áreas de estar. Já as áreas entre esses espaços e as edificações serão, em alguns trechos, cobertas por tapetes vegetais inspirados nos campos e savanas do Cerrado, com seus capins, ervas e arbustos nativos.

O céu como elemento da paisagem

As referências estéticas e ecológicas da paisagem natural do Cerrado não se resumem ao seu componente vegetal e destaca outro elemento expressivo e singular do Brasil Central: o céu. Ao não cobrir todas as áreas verdes com árvores – indo além de deixá-las simplesmente gramadas -, procura-se valorizar aquilo que Lucio Costa definiu como “o mar de Brasília”, bem como o vazio que qualifica e articula o edificado e o não-edificado, o que torna a cidade excepcional.

Fonte das nascentes

O Cerrado é considerado “a caixa d’água do Brasil” por ser nele onde infiltra a água que alimenta as nascentes dos principais rios e cursos d’água do país. Isso se deve, justamente, às plantas nativas que, adaptadas à seca e ao fogo, evoluíram de modo a não perder muita água por evapotranspiração e a desenvolver raízes profundas que, logo, conduzem a chuva para as profundezas da terra. As áreas livres da ArenaBSB, tratadas com essas plantas, irão oferecer o mesmo serviço ecossistêmico. Serão jardins que apresentam alta capacidade de drenagem no período da chuva e grande resiliência no período da seca. As áreas de campo e savanas, implantadas em superfícies ligeiramente côncavas, permitirão a infiltração da água no solo de forma muito superior à desempenhada por gramados. Assim, espera-se descongestionar redes de drenagem urbana, contribuir para a recarga do lençol freático e evidenciar uma das mais importantes qualidades do Cerrado. A utilização de plantas nativas traz vantagens adicionais. Por estarem adaptadas às condições climáticas, podem dispensar ou, ao menos, diminuir consideravelmente os investimentos em irrigação. Com isso, é celebrada sua natural sazonalidade, expressa na variação cromática ao longo do ano: na estação chuvosa predominam os tons de verde e, na seca, os tons dourados e ocres.

Trampolim ecológico

A profusão de capins, ervas, arbustos e árvores nativos oferece habitat e alimento para a fauna urbana – sobretudo aves e insetos -, que encontrará na ArenaBSB mais um pouso seguro. O empreendimento contribuirá para a articulação entre o Parque Ecológico Burle Marx, contíguo à Asa Norte, e o Parque Sarah Kubitschek (Parque da Cidade), contíguo à Asa Sul. Com isso, assumirá, em escala metropolitana, o papel de trampolim ecológico (parte de uma sequência de pequenos habitats desconectados usados pela fauna para encontrar abrigo, alimento, ou para descansar) e irá aumentar a permeabilidade ecológica do Plano Piloto, melhorando a qualidade dos espaços urbanos que conectam parques e unidades de conservação. Plantar árvores nativas já é parte da praxe brasiliense. Plantar capins, ervas e arbustos do Cerrado também é, hoje, uma opção viável do ponto de vista técnico e financeiro. Projetos de restauração ecológica têm demonstrado a eficácia de semear extensas áreas com essas plantas, e já há variada oferta de sementes no mercado. Se a técnica é viável, nem por isso é menos inovadora. Ao apresentar campos nativos como solução paisagística para parte de suas áreas livres, a ArenaBSB trará uma marca singular e vanguardista para o empreendimento e para a capital, expressando seu compromisso com a conservação da biodiversidade, com a valorização da água e com a atualização de valores culturais brasileiros.

Caminho das águas

Para a integração entre o desenho da paisagem e a implantação do conjunto edificado, a principal estratégia foi seguir o caminho das águas, que também define o caminho natural das pessoas. O traçado geral do paisagismo e do desenho urbano proposto procurou evitar a criação de barreiras indesejáveis, tanto para o percurso das pessoas quanto para a drenagem natural. As áreas de savana implantadas em diversos pontos do conjunto, ligeiramente côncavas e complementadas com a vegetação nativa de grande porte, formam bacias naturais de retenção e estão situadas em pontos estratégicos do complexo, a fim de reduzir a velocidade das águas e contribuir para sua infiltração no solo. Evita-se, com isso, que as águas transbordem para a cidade. Tanto nos períodos de chuva (escoamento natural) quanto na seca (córregos artificiais e esguichos) a coincidência entre os caminhos das águas e das pessoas permite criar atmosferas de acolhimento e experiências lúdicas, em que o paisagismo e a arquitetura se completam.

Construção, manutenção e logística

A fim de permitir flexibilidade, baixo custo, agilidade construtiva e facilidade de expansão e de manutenção, o Bulevar resulta da combinação modulada de dois sistemas estruturais: (1) embasamento em concreto armado (garagem e serviços) ; (2) superestrutura em aço (blocos que abrigam os diversos usos, que serão construídos em etapas). A malha estrutural é definida pela otimização das vagas de garagem e da circulação de veículos, com vãos principais de 15m x 12m. Dessa maneira, construído o embasamento, a expansão do conjunto pode ocorrer por meio de construção seca, com agilidade e mínimo impacto logístico e ambiental, a partir da utilização de componentes industrializados e modulados, sem prejuízo para as demais atividades. A garagem será também utilizada como base para toda a logística do complexo, com vias e docas dedicadas ao fluxo de abastecimento e serviços, sem interferência nas atividades de uso público. Sob a garagem são propostas galerias técnicas, que permitem o encaminhamento das instalações e que servirão como complemento à logística do complexo (abastecimento, manutenção, recolhimento de resíduos e fluxos de serviços), a fim de evitar conflitos com o uso público do Bulevar e demais equipamentos.

Eficiência energética e sustentabilidade

A implantação, a tipologia e os elementos construtivos adotados no projeto do Bulevar permitem qualificar a edificação para a obtenção do Nível A no Programa Brasileiro de Etiquetagem, tanto no que se refere à envoltória, quanto aos sistemas de iluminação e condicionamento de ar. Tais estratégias de projeto, combinadas a outras soluções de redução de consumo e otimização no uso dos recursos naturais, permitirão ao empreendimento a obtenção do Selo PROCEL de Economia de Energia (nível A em todos os quesitos), entre outras certificações de sustentabilidade. No que se refere à envoltória, tópico mais diretamente relacionado a esta etapa de projeto: todos os ambientes de escritório (pavimento superior) terão suas aberturas protegidas, ora por pergolados (jardins internos), ora por varandas e painéis deslizantes perfurados (fachadas), que podem ser ajustados conforme a incidência solar (a depender da época do ano e do horário do dia). Os espaços distribuídos nos térreos inferior e superior (lojas, restaurantes e espaços de lazer e entretenimento), ao mesmo tempo em que recebem iluminação natural controlada, são protegidos da incidência solar direta por meio de recuos em relação aos pavimentos superiores. As lajes de cobertura recebem tratamento de “teto-jardim”, a fim de aumentar a inércia térmica da edificação e diminuir a reflexão de calor sobre o entorno. Painéis solares serão implantados na cobertura, integrados ao paisagismo, tanto para o aquecimento de água quanto para a geração de energia fotovoltaica. A infraestrutura projetada para a edificação permite, ainda, a coleta, a filtragem e o reaproveitamento das águas pluviais, tanto para o tratamento do paisagismo quanto para usos sanitários.


Ficha Técnica:

Arquitetura: ARQBR + GSR

Autores: André Velloso, Eder Alencar, Elcio Gomes, Fabiano Sobreira e Paulo Borges Ribeiro.

Colaboradores: Caio Nascimento, Danielle Gresler, Gabriel Lordelo, Gabriel Perucchi, Luana Alves, Marcelo Braga, Marcos Cambuí, Mariana Castro, Mateus Reis, Pedro Avelino; Thaís Lacerda; Thaís Losi.

Paisagismo: Mariana Siqueira. Eficiência Energética: Juliana Andrade e Natasha Alves. Estruturas em aço: Paulo Roberto Freitas. Estruturas em concreto: Lucílio Vitorino. Ar condicionado e Instalações: Paulo Ribeiro da Silva. Drenagem: Davi Navarro. Maquete: Daniel Miike.

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